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Entrevista com Carla Di Pierro: jogadas mentais

por redação
O uso da psicologia esportiva no sucesso dos atletas

Vivemos uma experiência única com a pandemia do novo coronavírus. Seja no final deste ano ou no início do próximo, estaremos diante do “novo normal”, como tantos falam, e voltaremos aos campos.

A vida dos atletas, profissionais e amadores, acostumados a uma rotina árdua de treinos, mudou drasticamente. Mesmo assim, todos se exercitaram em casa, sozinhos ou com a ajuda de videoconferência. Com tantas mudanças, a saúde mental faz toda a diferença.

Para os profissionais que trabalham com esportistas, consequência direta do período atravessado foi o adiamento das Olímpiadas do Japão 2020, afetando atletas de elite que já estavam preparados para a competição. A psicóloga do Comitê Olímpico Brasileiro, especialista em psicologia do esporte e em análise do comportamento, Carla Di Pierro, destaca a importância e os caminhos para a preparação mental como chave para o aumento da performance.

Treinar a mente deve fazer parte do dia a dia de todo atleta, desde criança. É o segredo do sucesso, além, logicamente, das horas de treino físico e educativo, enfatiza.

Confira a entrevista e aprenda, também, mais sobre a técnica de mindfulness aplicada ao esporte:

Fale da sua experiência como psicóloga esportiva

Sou formada há 19 anos pela PUC de São Paulo. Me especializei na área de Psicologia do Esporte e também em Análise do Comportamento. Em San Diego, nos Estados Unidos, fiz minha formação de Mindfulness e Performance. Sou psicóloga do Comitê Olímpico Brasileiro, das Confederações Brasileira de Tênis e de Ginástica. Participei da preparação mental de atletas nos jogos Olímpicos do Rio de Janeiro de 2016 e trabalho com atletas para os jogos de Tóquio no atletismo, natação, ginástica, vela e tênis. Fui professora e coordenadora do curso de Especialização em Psicologia do Esporte no Núcleo Paradigma, em São Paulo. Atualmente, tenho meu consultório e uma equipe que trabalha comigo com atletas amadores, profissionais, de base, bem como atletas em transição de carreira ou em fase de aposentadoria.

Você também é atleta?

Sou triatleta há mais de 20 anos. Desde criança fui atleta, nadei, joguei handebol na escola e sou faixa azul de jiu-jítsu. Aos 18 anos, comecei a treinar triatlo e faço até hoje, disputando todas as distâncias. Estou sempre dentro do ambiente esportivo, o que me ajudou muito a entrar no esporte de alto rendimento. Me ajuda também a ter uma linguagem direta com os atletas. Sempre acreditei no trabalho em equipe, por isso nunca atuo sozinha. Faço muita orientação de família, de pais de atletas, e trabalho perto dos treinadores. É uma área que gosto muito.

Quais são as maiores dificuldades sentidas pelos atletas neste período de pandemia?

Ansiedade, com certeza. O que mais pesou na quarentena para os atletas foram as incertezas. Eles estão acostumados com um planejamento e calendário bem determinado e, de repente, ficaram sem isso, sem data para competir, sem treino e sem saber o que vinha pela frente. Isso dá uma sensação de incontrolabilidade, o que pode causar também medo e até depressão. Todo ser humano precisa de previsibilidade e um pouco de controle para se sentir minimamente seguro e estável. Atualmente estamos sem isso, fator básico para a nossa saúde mental. Mas o que a gente faz para lidar? Não dá para controlar a pandemia. Precisamos focar naquilo que temos controle: nosso comportamento, nossas ações. Os atletas e não atletas precisam ser capazes de controlar a rotina, a hora de dormir, de acordar, de se alimentar e como se alimentar, assim como a quantidade de horas que vai trabalhar, de atividade física, os momentos de relaxamento e recuperação. Acho que essa é a melhor forma de se manter menos ansioso, estipulando uma rotina, aproveitando um dia de cada vez, focando no momento presente e estabelecendo pequenos períodos de descompressão para aliviar o estresse com práticas de meditação (mindfulness), lazer, música etc.

De que forma o treinamento mental melhora a performance dos atletas?

Treinar e trabalhar pensamentos, palavras e sensações através da capacidade de imaginar têm o objetivo de melhorar o desempenho. Para tanto, é preciso utilizar imagens, visualizar experiências bem-sucedidas para ativar sensações de controle, confiança e prazer. Tudo isso aumenta a chance de sucesso. O atleta pode treinar um swing perfeito, por exemplo, visualizando o movimento a ser executado de forma detalhada antes da tacada. Existem estudos validando a prática e criamos um protocolo para esse tipo de treinamento. Trata-se de um método que pode ajudar muitos golfistas na volta aos campos.

O que é uma mente vencedora?

Acredito que é uma mente adaptável. É a pessoa que consegue, diante da realidade em que está inserida, usar certos pensamentos e comportamentos a seu favor. É alguém geralmente mais otimista, mais flexível, que consegue enxergar oportunidades e a partir do fracasso ou do obstáculo, sai mais forte. Se olharmos para esse momento, sairá melhor dele quem se adaptou, construiu uma rotina mais saudável, conseguiu desenvolver habilidades e novos repertórios pessoais e foi mais resistente, resiliente.

Qual é o papel da psicologia no esporte?

Não consigo enxergar uma preparação global de um atleta sem ele considerar a preparação mental. Corpo e mente não são dissociados. Comportamento, emoções, sensações, tomadas de decisão, são todos fatores muito relevantes e determinantes no resultado de um atleta. Já ultrapassamos essa fase de questionar se é importante ou não, pois sabemos que é determinante. Quem ainda não inclui preparação mental na rotina está em desvantagem. O atleta pode estar muito bem física, tática e tecnicamente, mas, se ele não estiver bem preparado emocionalmente, não vai apresentar sua melhor performance. Atualmente, a psicologia do esporte vem sendo bem recebida pela maioria dos atletas e treinadores. Temos um grande espaço dentro do COB, um departamento exclusivo de preparação mental. Nos Jogos Olímpicos do Rio, tínhamos mais de 30 psicólogos do esporte atuando com os atletas. Atualmente os treinadores, a equipe médica e toda a comissão técnica têm procurado a psicologia do esporte. Cada vez mais são os próprios atletas que buscam esse trabalho.

Quais são as principais demandas dos atletas?

São várias, mas as relacionadas à autorregulação emocional são as principais. É o caso do atleta que tem excessos emocionais ou déficits de repertório pessoal para enfrentar a pressão e não consegue apresentar na competição aquilo que faz no treino, seja por nervosismo, desconcentração, autocobrança em excesso, medo de desapontar o treinador ou o público. O atleta gasta, geralmente, muito tempo treinando a parte física e técnica e nenhum ou pouco tempo treinando sua capacidade mental. Quando o atleta está em reabilitação de lesão ou em transição de carreira, por exemplo, também busca ajuda, porque são fases de muita adaptação, de ansiedades e temores. Outro caso de demanda é quando há muita pressão por resultado, geralmente provindas de atletas com sequências de falhas ou fracassos, bem como quando ele sente dificuldade em se comunicar com a equipe.

O que é a regulação emocional?

É a habilidade que cada pessoa tem de gerenciar as próprias emoções, tanto positivas como negativas, e voltar à atividade regular da maneira mais rápida possível. Um atleta desregulado emocionalmente é aquele que demora para se restabelecer e toma decisões precipitadas ou inadequadas no meio do percurso, como o golfista que manda uma bola para a água e fica pensando o que fez de errado até o final do buraco. Uma pessoa regulada emocionalmente reage mais rapidamente, voltando ao foco, tem repertórios comportamentais e mentais que ajudam nessa regulação. A psicologia do esporte é uma ciência que tem conhecimentos e técnicas para essa aprendizagem.

Como fazer essa regulação?

Primeiramente, identificando as emoções que o atleta sente, quando são exageradas, inadequadas. Entender quais reações emocionais interferem no rendimento e depois saber qual é o gatilho acionador. O atleta pode começar a se controlar tentando diminuir esses gatilhos que existem no ambiente e aprendendo a controlar os componentes fisiológicos e mentais da emoção. Para isso, a reorganização do ambiente, os treinos de respiração e a meditação são fundamentais.

Quais recomendações daria para os golfistas?

Foco, paciência e autocontrole. Acho que, em vários aspectos, o treino mental é importante para o golfista. Antes de qualquer tacada, há uma preparação para entrar no estado físico e mental ideal. Estabelecer uma rotina que inclua auto-observação, autorregulação, visualização e autofala. Assim, aumenta-se a probabilidade de uma tacada mais eficiente. Já trabalhei com alguns golfistas e aprendi que o estado mental faz diferença dentro do jogo, não só na eficiência da tacada, mas também nas tomadas de decisão. Portanto, se autorregular e inserir rotinas mentais pode ser uma ferramenta para aumentar os acertos e diminuir os erros.

Como o mindfulness aumenta a performance?

Mindfulness é a atenção plena. É uma meditação baseada em evidências. Começou a ser estudada no final da década de 1970 pelo professor americano Jon Kabat-Zinn e se espalhou em diversas áreas, como no esporte. É um treino de atenção, com intenção, com curiosidade, sem nenhum tipo de julgamento. Consciência ao que está acontecendo no momento presente é algo que treinamos muito pouco, pois estamos sempre tentando planejar e prever o futuro ou ruminando o passado. Existem milhares de evidências dos benefícios do mindfulness, como a redução do estresse e da ansiedade. Melhora, também, a percepção de dor e a capacidade de se autorregular, além da concentração, flexibilidade psicológica, resiliência, qualidade de sono e recuperação atlética. Todos os atletas de alto rendimento ou amadores que trabalho treinam mindfulness.

 

Por Fernando Vieira

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