*por Henrique Fruet
De repente, o silêncio é cortado por um som alto e contínuo. Nada que atrapalhe a próxima tacada, mas que certamente impressiona quem o ouve pela primeira vez. É algo raro de se apreciar dentro da capital paulista, tão repleta dos mais diversos barulhos.
Quem costuma jogar no Guarapiranga Golf & Country Club, no extremo sul da cidade de São Paulo, conhece bem essa verdadeira sinfonia natural: são bandos de bugios, símios que vivem nas matas que cercam o campo. Não é à toa que a espécie também é conhecida como macaco-uivador.
Seu grito é forte e contínuo, e pode ser ouvido a quilômetros de distância. Geralmente serve para expulsar grupos rivais – rivais da própria espécie, é bom dizer. Não espanta os golfistas, já acostumados com o raro espetáculo sonoro.
Fundado em 1962, o Guarapiranga é o campo paulistano que mais propicia uma imersão na natureza. Não há quase construções à vista quando se está em suas raias. Só se vê, além do verde e da represa, a sede e o heliponto (presente de um sócio apaixonado pelo campo, que queria usar sua própria aeronave para encontrar os amigos de vez em quando).
Exceto pelos bugios, pelos quero-queros mais agitados, pelo som dos drivers e por uma ou outra comemoração de boas tacadas, não há barulho ao redor. Outra exceção são torneios mais badalados, quando alguns convidados desfrutam do heliponto.
A maior desvantagem do Guarapiranga talvez seja o seu maior mérito: a distância. Apenas 29 quilômetros o separam do Aeroporto de Congonhas – o que se traduz em perto de uma hora de carro na ida, se for bem cedinho, e um pouco mais na volta, já com trânsito mais intenso.
Ironicamente, a distância acaba se tornando talvez também a maior vantagem do clube. É ela que propicia essa imersão no verde difícil de se verem plena capital paulista (e me arrisco a dizer que também é rara de se ver mesmo em campos fora dos limites do município).
O Guarapiranga nasceu quando os membros do Clube de Golf Anastácio, de Pirituba, receberam a notícia de que precisariam devolver o terreno que ocupavam para que ele fosse destinado à construção de um frigorífico. Ao mesmo tempo, receberam uma proposta para comprar uma área de cerca de um milhão de metros quadrados perto da represa de Guarapiranga. Toparam, e aí nasceu um dos mais belos campos brasileiros.
Ele é um dos meus campos prediletos, confesso. A natureza exuberante, o design instigante e desafiador e a manutenção impecável já bastariam para justificar essa predileção. Isso sem contar o ambiente para lá de acolhedor e os inúmeros amigos que fiz por lá ao longo dos anos. Mas há também uma questão sentimental bem significativa que me deixa mais apaixonado ainda pelo Guarapiranga…
Tudo aconteceu numa sexta-feira ensolarada no final de abril de 2005. Eu estava jogando o torneio TAM Viagens Hole in One Club, voltado para os felizardos que haviam feito um ace no ano anterior. Eu nunca tinha feito um – estava lá como jornalista convidado.
Comecei a partida pelo buraco 15 (no sistema shotgun). Estava, para variar, jogando mal. Aí cheguei ao buraco 11. Quem acertasse mais perto da bandeira ganharia três diárias no então Blue Tree Park de Mogi das Cruzes (onde hoje é o Club Med e o Paradise). A marca do nearest to the pin estava a um palmo ou menos da bandeira. Para ganhar, só embocando.
Peguei meu ferro 6 e bati. Foi um tiro reto, algo raro naquele dia. Sabia que a bola ia parar perto (“oba, talvez um birdie para me animar”, pensava).“Entrou, entrou!!”, começaram a gritar os meus companheiros de equipe. Como assim? Entrou? Sim. Entrou!
Quando retirei a bola do buraco, eu já estava tremendo. É. Era um hole in one– o meu primeiro e único em um campo oficial até hoje, e justamente no dia do torneio para golfistas que haviam feito hole in ones! Gritei, comemorei junto com os parceiros de jogo… Foi uma festa só!
Resultado: saí de lá com um hole in one para contar para os netos, com uma conta gigante no bar (que felizmente depois foi ressarcida pelo seguro que havia feito meses antes)e com uma estadia no resort de Mogi, além de um prêmio extra: uma viagem para Buenos Aires! Ah, e ainda ganhei o troféu pelo 2º lugar na minha categoria, fora os brindes e cumprimentos que recebi.
Hole in one não dá ressaca. Dá é vontade de fazer de novo. Foi também a primeira vez em que saí de um torneio com três troféus (o de nearest to the pin, o de segundo lugar e outro de lembrança do hole in one, que está até hoje no meu escritório).
E o melhor de tudo: não ouvi em nenhum momento a palavra “pistoleiro”. Uma coisa foi certa: naquele dia, eu e o clube criamos um laço que vai durar até meu último suspiro.
E com certeza aquela foi a minha vez de deixar os bugios intrigados com o barulho.