Por Henrique Fruet*
Tem vezes que correr no campo de golfe é necessário para salvar a dignidade
Você está na praia tomando uma água de coco gelada quando ouve um leve estampido ao longe. Um objeto estranho cruza o céu, bate numa palmeira e rola na areia. É uma esfera branca com covinhas. Logo aparece o dono do objeto voador não identificado. É uma figura estranha: bermudão comportado, camisa pólo, sapatos bicolores de gosto duvidoso, chapéu, óculos escuros e luva na mão esquerda.
Você pensa em dar risada, mas desiste, pois o camarada está armado com um taco de ferro. Ele se posiciona diante da esfera com o bumbum empinado, faz um movimento para lá de estranho e dá uma pancada que arremessa o projétil por cima dos coqueiros e vai embora, enquanto você fica pensando: o que faz um sujeito deixar a sunga de lado para se vestir de forma tão estranha num resort na Bahia e trocar o mar, a piscina e a água de coco por um campo de golfe?
Foi assim que eu iniciei uma reportagem que escrevi em 2007 para a revista “Viagem e Turismo” da editora Abril. Enquanto escrevo estas linhas, em plena pandemia e há quase nove meses sem jogar golfe, me lembro com muita saudade daquela época.
O que me inspirou a iniciar a reportagem daquela maneira foi uma experiência que eu mesmo vivi no finado campo de Comandatuba, na Bahia (sim, fiquei bem chateado com o fechamento do local).
Visitei aquela obra-prima de Dan Blankenship pela primeira vez em 2003. Não pensava em nada além do golfe. Só cheguei perto do mar por um motivo de força maior (não, não foi por causa da insistência de minha mulher, Cecília). O que me levou para perto do mar foi meu maldito slice.
Para quem não sabe (quem é golfista conhece bem o termo…), slice é quando, por alguma mágica do destino (e falta de habilidade com a coisa mesmo), você manda a bola para a direita – no caso, bem para a direita.
No buraco 18 de Comandatuba, à direita da raia estava a praia, que fazia parte do campo naquela época (depois, a praia passou a ser considerada área fora de jogo). Pois foi bem no buraco 18, um par 5, que resolvi dar slice em quase todas as minhas nove infinitas tacadas.
Curiosamente, mesmo fazendo um quádruplo bogey, nunca tinha terminado tão rápido um par 5. Motivo: cada vez que batia a bola, ela ia para a direita e parava na beira da água. Como as ondas já estavam se aproximando, eu tinha de correr (literalmente) até a bola e dar a tacada de qualquer jeito antes de ela ser levada mar adentro.
Como a pressa é inimiga da perfeição, cada nova tacada significava também um novo slice, uma nova corrida, uma nova tacada desajeitada, um novo slice, uma nova corrida…
Resultado: cheguei esbaforido, esgotado, molhado e sujo de areia no green do 18. Enquanto isso, meu parceiro ainda estava a cerca de 200 jardas do green, calmamente escolhendo o taco que ia usar…
Para a minha sorte, a praia estava deserta. Se tivesse alguém por lá, ficaria assustado como o sujeito que citei no início da coluna – eu, pelo menos, ficaria com medo de um cara correndo na praia com um taco na mão.
E por falar em pressa, me recordo de outra situação em que finalizei um outro par 5 a toque de caixa. E também não foi por ter dado poucas tacadas. Foi no Terravista Golf Course, também na Bahia. Estava disputando um torneio, e até que estava indo bem. Até o momento em que o acarajé da noite anterior resolveu se transformar em um alienígena no meu intestino. Queria sair do meu corpo de tudo quanto é jeito, se é que você me entende.
Estava jogando o buraco 5, um par 5 longo (juro pra você, nunca foi tão grande!). E sabia que no tee do buraco 6 havia um banheiro. Resultado? Mais um buraco jogado a toque de caixa, e mais um escore vergonhoso. Foram 11 tacadas, mas cheguei a tempo ao banheiro, e pelo menos salvei parte da minha dignidade (digo parte dela, pois aquelas 11 tacadas marcadas no cartão foram cruéis).
Jogar rápido nem sempre é tão humilhante assim. Há alguns anos, eu estava jogando com amigos no Terras de São José Golf Club, em Itu (SP). Quando me dirigia ao green do buraco 12, um par 3, pisei num formigueiro e tive as pernas picadas por dezenas de formigas malditas.
Pensei em desistir, mas meus colegas me incentivaram a continuar. Como o campo estava repleto de formigueiros, e fiquei traumatizado, continuei, mas jogando mais rápido do que nunca.
Quem já jogou comigo sabe que eu jogo bem rápido. O meu amigo fotógrafo Zeca Resendes até reclamava que mal tinha tempo de tirar a minha foto durante os torneios. Pois naquele dia, com medo das formigas, eu mal parava na bola e já batia.
Dessa vez, o resultado foi satisfatório: na soma dos seis buracos restantes, joguei um abaixo do gross, com cinco pares e um birdie. Terminei esbaforido, mas, tirando a coceira nas pernas, feliz.
E é assim, dando risadas de bolas na praia, alienígenas querendo explodir minha barriga e formigas me comendo vivo, que me distraio neste período de isolamento social, esperando que meu retorno aos campos (que espero ser o tema da próxima coluna) seja lento e prazeroso, como o golfe deve ser.
*Henrique Fruet é golfista amador, jornalista, copywriter profissional e autor do livro “Golf- Os melhores Campos do Brasil”